DO SENTIDO DADO AOS PASSOS, AOS PASSOS QUE NOS CONSENTIMOS DAR... JAMAIS OS MESMOS DEPOIS DE TRILHAR O DESERTO BRANCO

28
Abr 06
Zhongdien, Abril 2006

Há segredos que não se desvendam.
Segredos que sabemos não com o cérebro mas com os sentidos.
Segredos que estão em nós e que só alguém pressente.

David Mourão Ferreira
publicado por fpg às 15:20

Yubeng, Abril 2006

É preciso viver, não apenas existir.
Plutarco
publicado por fpg às 15:11

21
Abr 06

Como muitos dos debates internacionais que animam a opinião pública, as universidades e os intelectuais dos países mais desenvolvidos, o problema dos direitos dos animais tem passado despercebido em Portugal. Temos até o caso de Barrancos a lembrar-nos até onde a crueldade portuguesa pode ir em nome da tradição (como se qualquer tradição, só por ser uma tradição, devesse ser respeitada — afinal, também a escravatura era uma tradição milenar e foi abandonada). Com a publicação em Portugal da obra "Libertação Animal", de Peter Singer, a Via Optima vem dar aos portugueses a possibilidade de participar no debate internacional de ideias e de repensar algumas das suas convicções mais enraizadas. Esta obra foi originalmente publicada em 1975 e foi responsável pela vitalidade dos mais importantes movimentos em prol dos direitos dos animais. A edição a que agora temos acesso em português, traduzida por Maria de Fátima St. Aubyn, é a edição revista de 1990.
O livro tem 6 capítulos, dois prefácios (referentes às edições de 1975 e de 1990), três apêndices e várias fotografias ilustrativas do modo como os animais são tratados. Os apêndices apresentam uma útil bibliografia comentada, indicações que ajudam a viver sem pactuar com a crueldade para com os animais, e ainda uma listagem de organizações que, um pouco por todo o mundo, lutam contra o modo como tratamos os animais. O editor português incluiu nesta lista, e bem, referências a organizações congéneres portuguesas.
O primeiro capítulo é semelhante ao capítulo 2 da obra "Ética Prática" e tem por título "Todos os animais são iguais". Trata-se de discutir a ideia de igualdade e de mostrar que restringir esta ideia aos seres humanos é uma forma de "especismo" — um preconceito indefensável e semelhante em tudo ao racismo. A ideia de igualdade é muitas vezes mal compreendida pelo grande público. Pensa-se que as mulheres e os negros ou os ciganos têm os mesmos direitos que as outras pessoas por serem iguais às outras pessoas. Mas isto esconde ainda uma forma de racismo e de sexismo. Em primeiro lugar, os homens são muito diferentes das mulheres: têm sexos diferentes. Mas daí não se segue que os direitos das mulheres se subordinem aos direitos dos homens. Em segundo lugar, é óbvio que há pessoas mais inteligentes que outras. Newton ou Einstein ou Descartes foram mais inteligentes do que a maior parte de nós; mas daí não se segue que tenham mais direitos do que nós. Em conclusão: não é por os ciganos, negros, etc. serem iguais aos outros seres humanos que têm os mesmos direitos. É verdade que são realmente iguais, em termos genéricos, nomeadamente quanto à inteligência; mas mesmo que não fossem, isso não determinaria que tivessem menos direitos. Afinal, um deficiente mental não tem a mesma inteligência de uma pessoa normal, mas não deve ser discriminada por isso.
Quando compreendemos a igualdade correctamente, compreendemos que é difícil não a alargar aos outros animais; discriminar com base na espécie é tão aleatório como discriminar com base na etnia ou no sexo. O que é moralmente relevante para ter direitos é a possibilidade de sofrer. Dado que os animais podem sofrer, têm direitos. No primeiro capítulo, Singer procura mostrar que a correcta compreensão da noção de igualdade implica que os animais têm direitos, respondendo a muitas das objecções que é comum levantar neste ponto do debate: será que os animais sofrem realmente, ou serão meros autómatos incapazes de sentir dor por não terem alma, como defendia Descartes? Será que faz sentido falar de direitos dos animais quando eles não têm sequer a noção do que é um direito? Singer responde com imparcialidade, rigor e bonomia a estas e outras objecções.
O segundo capítulo, intitulado "Instrumentos para a investigação" apresenta a realidade das experiências científicas com animais. Tanto este capítulo como o seguinte baseiam-se em ampla documentação. O autor conduziu uma investigação sobre o modo como os animais são usados na investigação científica — e os resultados são surpreendentes. A ideia que se tem geralmente é que as experiências com animais permitem avanços importantes em medicina, o que ajuda a salvar vidas humanas. Isto é falso. Grande parte das experiências científicas com animais são levadas a cabo por psicólogos que estudam o comportamento dos animais em situações anormais. Por exemplo: colocam um cão vivo numa espécie de forno, o qual aquecem lentamente até o cão morrer por ser incapaz de suportar o calor. Dão choques eléctricos a ratos e cães, para determinar como reagem a situações de dor permanente. Grande parte deste capítulo consiste em descrever experiências deste género, com base nos relatórios publicados nas revistas da especialidade.
Além de grande parte das experiências com animais levadas a cabo pelos cientistas ser perfeitamente irrelevante para o progresso do conhecimento, não é também verdade que algumas experiências sejam determinantes para salvar vidas humanas. Na verdade, nunca tal coisa aconteceu; e o contrário está mais próximo da verdade. Alguns avanços médicos cruciais que salvaram milhares de vidas jamais teriam sido alcançados caso se baseassem em experiências com animais: "a insulina pode provocar deformações em coelhos e ratos pequenos, mas não nos seres humanos. A morfina, que actua como calmante nos seres humanos, provoca delírios em ratos" (p. 53). E a penicilina é tóxica para os porquinhos-da-índia.
A maior parte das pessoas que defendem os direitos dos animais estarão dispostas a concordar com os argumentos do autor até chegarem ao capítulo 3, intitulado "Visita a uma unidade de criação intensiva". Neste capítulo descreve-se a forma como os animais que comemos são tratados pelas modernas unidades de criação intensiva e o sofrimento a que são sujeitos. E é aqui que começam as dificuldades para o defensor dos animais, pois agora não se trata só de uma opinião sobre coisas que não o afectam; para ser consequente, o defensor dos direitos dos animais terá de deixar de comer animais, dado que é o nosso gosto por carne e peixe que determina o modo como os animais são tratados. O modo como as galinhas, os porcos e as vacas são tratados nas unidades de criação intensiva é descrito de forma imparcial, com base nas revistas da especialidade.
Dada a forma como os animais são tratados para produzirem carne, ovos e leite, que pode o defensor dos direitos dos animais fazer para ajudar a resolver a situação? O tema do capítulo 4, "Ser vegetariano", defende um estilo de vida vegetariano como resposta a esta questão, para que o defensor dos direitos dos animais não seja hipócrita e inconsequente, defendendo com palavras o que contraria nos seus actos: "É fácil tomar posição acerca de uma questão remota, mas os especistas, como os racistas, revelam a sua verdadeira natureza quando a questão se torna mais próxima. Protestar contra as touradas em Espanha, o consumo de cães na Coreia do Sul ou o abate de focas bebés no Canadá enquanto se continua a comer ovos de galinhas que passam as suas vidas amontoadas em gaiolas, ou carne de vitelas que foram privadas das mães, do seu alimento natural e da liberdade de se deitarem com os membros estendidos, é como denunciar o apartheid na África do Sul enquanto se pede aos vizinhos para não venderem a casa a negros" (p. 152).
Surpreendentemente, há ainda outras razões para abandonar o consumo de carne. A produção intensiva de animais para abate é, em termos ecológicos, um disparate. "São necessários cerca de 11 kg de proteínas em ração para produzir o 1/2 kg de proteína que chega aos seres humanos. Recuperamos menos de 5 % daquilo que investimos" (p. 155). As fezes dos animais que são produzidos para abate contribuem em larga medida para o efeito de estufa; as urinas contaminam os solos e os lençóis subterrâneos de água. A água é consumida em grandes quantidades pelos animais para abate, contribuindo assim para o esgotamento progressivo das reservas de água potável. "A água necessária a um boi de 500 kg faria flutuar um contratorpedeiro" (p. 157). Os animais para abate são alimentados com rações que são produzidas a partir de cereais que os seres humanos podem consumir directamente, de forma muito mais vantajosa. "Se os americanos reduzissem o seu consumo de carne em 10 % durante um ano, libertariam pelo menos 12 milhões de toneladas de cereal, que […] seria suficiente para alimentar 60 milhões de pessoas" (p. 156).
O capítulo 5, intitulado "O domínio do Homem" procura dar conta das origens históricas do especismo. O pensamento grego, romano e cristão é profundamente especista — coloca os animais fora da consideração moral, tratando-os como meros objectos inanimados. A ideia de ver um animal a sofrer e de explorar o seu comportamento nessa situação tem raízes antigas, subsistindo ainda nos dias de hoje em espectáculos como a tourada. Peter Singer acompanha a história do especismo, que começa a tornar-se cada vez mais difícil de sustentar, sobretudo depois de Darwin. Mas trata-se de um preconceito de tal modo enraizado que mesmo T. H. Huxley, um dos maiores defensores do darwinismo, compreendendo que não há um fosso biológico entre nós e os outros animais, continua a acreditar nele, resistindo à refutação do especismo. Mas "a resistência à refutação é uma característica distintiva de uma ideologia. Se os fundamentos de uma posição ideológica lhe forem retirados, encontrar-se-ão novas construções ou, então, a posição ideológica permanecerá suspensa, desafiando o equivalente lógico da lei da gravidade" (p. 197).
O capítulo final do livro, "O especismo hoje", apresenta objecções e respostas à causa dos direitos dos animais e alguns dos resultados prometedores a que já se chegou. Diz-se por vezes que os animais não podem ter direitos porque não têm deveres nem entendem o que é ter direitos. Mas os deficientes mentais e os bebés também não têm deveres nem compreendem o que é ter direitos — e no entanto têm direitos. Afirma-se também por vezes que os seres humanos não podem passar sem comer carne; mas isto é pura e simplesmente falso, como o atestam os milhões de vegetarianos saudáveis em todo o mundo. Também se coloca por vezes a questão de saber por que motivo nos devemos coibir de matar os animais para comer, se os animais se matam uns aos outros com o mesmo fim. Mas ninguém acha que podemos matar outros seres humanos para comer, apesar de sabermos que os animais matam seres humanos para comer se tiverem oportunidade de o fazer.
"Libertação Animal" é uma obra de leitura obrigatória. Pela clareza, seriedade e honestidade. Pelo rigor lógico. Pela inteligência dos seus argumentos. Está de parabéns a Via Optima. E quando uma editora está de parabéns, somos todos nós que ganhamos.
Desidério Murcho
Artigo originalmente publicado na revista Livros (Julho de 2000).
A imagem da capa é da edição brasileira (apenas por uma questão estética)
publicado por fpg às 11:02

Macau, 2004


Por vezes a mentira exprime melhor do que a verdade aquilo que se passa na alma.
Maximo Gorki
publicado por fpg às 10:45

Ura, Canil de Macau, Novembro 2003

"O meu cão tem um medo louco de ser abandonado. Não abandonado de abandonado, ou seja, despejado no meio da rua e de um mundo para o qual não está preparado, mas abandonado no sentido de deixado sozinho. Quando a família sai de casa ou do carro, o cão chora e ladra pedindo que o levem com eles. A choradeira e os latidos e ganidos são tantos que quem passa ao lado pensa que o cão está a ser torturado. Nada, na vida curta deste cachorro, que anda sempre com toda a gente para todo o lado, o pode levar a suspeitar que vai ser abandonado. Pelo contrário, o cachorro tornou-se o centro das atenções e é um ídolo popular entre adultos e crianças, que o mimam excessivamente. Nunca foi deixado para trás, nem esteve num canil. Nunca está sozinho. Observando o seu terror da solidão e do abandono, chego à conclusão que aquele terror e aquele medo devem ser ancestrais, cromossómicos, genéticos, ou o que quer que seja. Ao contrário dos gatos, os cães não apreciam a independência e a solidão e por isso muitas pessoas os preferem aos gatos. Ao contrário dos gatos, as pessoas também não apreciam a independência e a solidão.
Esta é a altura do ano em que as pessoas abandonam os animais. Vão de férias e, antes de partirem, o cachorro que se revelou tão bom companheiro no Inverno passa a empecilho no Verão, sendo deixado, como quem não quer a coisa, num parque da cidade ou numa praia dos arredores. Salta bobi, salta, sai do carro bobi, e o bobi vê pela última vez a cara e as festas dos donos. A única salvação destes bichos abandonados é o apelo das crianças, quando as crianças existem, embora eu ache mau sinal ter crianças quando se é capaz de abandonar um bicho ao Deus dará. Quem abandona um cão, abandona um filho ou um pai. Esta é também a altura do ano em que os velhos são abandonados nos lares de terceira idade, nos hospitais, nos asilos. Paizinho, nós depois voltamos em Setembro, e o paizinho, com os olhos revirados de terror, sabe que está condenado.Uma vez conheci num lar uma velhota que tinha sido lá deixada pela família há mais de doze anos. Pagavam o lar e nunca a visitavam. Tinha a velhota quatro filhos e um ror de netos e nem um deles se dignava aparecer e perguntar como ia indo. A velhota tinha-se resignado ao abandono e, lúcida como estava, contou-me que nem as fotografias da família queria por perto. Tinha deitado os retratos e as molduras fora, não lhe serviam para nada, e o tempo tinha passado, decerto estavam irreconhecíveis. Os netos grandes, os filhos velhos. Doze anos sem ver a mãe, a avó, a tia, a irmã. Doze anos, uma eternidade. A velhota contava isto sem sentimentalismo, as lágrimas estavam secas ao canto do olho vermelhusco, escondido pelas rugas da pele. O meu marido, que Deus tenha, teve mais sorte que eu, morreu cedo, fiquei viúva aos quarenta e tal anos. Nos primeiros tempos tinha ficado à espera, depois habituara-se, nunca mais viriam, nem sequer quando morresse. Os funcionários do lar também se tinham habituado, aquilo estava sempre a acontecer, a velhota não era excepção. A velhota tinha, contudo, a esperança de que um dia os filhos dos filhos dela fizessem o mesmo aos pais deles, para verem como doía.
Os cães não se queixam mas, na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa, nos meses de Junho, Julho e Agosto, os cães são deixados à solta, com coleira, talvez as vacinas em dia, e nenhuma identificação. Alguns são recolhidos pelas oficinas de automóveis da Quinta do Noivo, e por ali andam, perdidos nos primeiros dias, com o pêlo lustroso e lavado e os sinais da raça. Aparece de tudo, sobretudo cães grandes, aqueles que dão mais trabalho e comem mais. Golden retrievers, labradores, pastores alemães, cocker spaniels, lassies e laicas e bobis vários, com e sem pedigree, rafeiros e finaços. Damas e vagabundos. Cães aos quais foi aberta discretamente uma porta do automóvel, a caminho da auto-estrada, na secreta esperança de que não sigam o carro muito tempo ou sejam atropelados pelo próximo carro. Um dos mecânicos, uma boa alma que me contou isto e que, com os colegas de ofício, alimenta e toma conta de vários cães, gastou no outro dia 12 contos no veterinário com uma cadela a que se afeiçoou, abandonada como os outros, e que dorme debaixo dos carros, e aprecia o conforto dos motores quando ainda estão quentes, no tempo frio. A cadela segue-o para todo o lado, no terror de ser abandonada, e ainda tem a coleira que atesta a sua pertença a uma destas saudáveis famílias ou seres humanos que largam os cães na avenida. Os cães acabam uns com os outros, fazendo-se companhia na sorte comum e, provavelmente, congratulando-se por terem escapado das rodas de um camião de longo curso.
Sempre achei que os cães sabiam mais sobre as pessoas do que as pessoas, e que não é preciso ler o livro de Peter Singer, «Animal Liberation», para dar aos animais a capacidade de sofrimento e estatuto moral que tanto lhes queremos negar. Os cães da Quinta do Noivo e de Chelas teriam umas coisas para dizer à velhota do lar, e talvez se entendessem bem. Ao contrário dos cães, os velhotes não podem contar com a generosidade e a compaixão dos mecânicos de automóveis que guardam o saco da ração por baixo da parede enfeitada com aqueles calendários das oficinas, mulheres loiras e seminuas a fazer boquinhas. Ao contrário dos cães, os velhos não estão por sua conta, estão à mercê do mundo, e essa não é uma boa posição na sociedade ocidental, e em particular na sociedade portuguesa actual, que tanto se orgulha do seu católico sentido da família. Uma visita pelos lares, de velhos e de deficientes, durante as férias dos portugueses, é bastante instrutiva sobre a capacidade para amar dos portugueses. E há ainda os profissionais disto, os que quando voltam de férias arranjam outro cão, até ao Verão seguinte."

Ura é a minha estrela desde um dia de Outubro de 2004.
publicado por fpg às 09:53

13
Abr 06
Yunnan, Abril 2006


Faz hoje uma semana, andava eu por terras da China, província de Yunnan, com seis amigos quando, após mais de 6 horas de caminhada montanha acima, montanha abaixo (uns a pé, outros de burro), fomos, no regresso pela mesma estrada que fizéramos dois dias antes, de novo confrontados com derrocadas de pedras.
Se à ida a situação já tinha sido emocionante - pelo seguro, e para facilitar a vida ao "Dentes" condutor do nosso autocarro, atravessámos a pé por cima dos imensos calhaus acumulados e ficámos na expectativa a ver as tentativas para fazer passar o veículo que, às tantas, estava de tal forma torto que voltou para trás e foi necessário remover pedras e tornar o solo menos irregular... uma queda pelo precipício significaria morte certa - no regresso estava assustador!
Havia carros, autocarros, camiões TIR parados sem passar há mais de dia e meio; enquanto alguns ficávamos no autocarro, outros foram para uma zona mais próxima da derrocada ver o que se passava; ao regressarem as notícias eram desanimadoras: impossível transitar porque tentá-lo era brincar com a sorte... A alternativa era fazer mais de 600 quilómetros por estrada de montanha para chegar ao hotel que estava apenas a cerca de 10...
Ouvir isto, quando se está com os pés encharcados há horas graças à caminhada pela neve e quando a temperatura ronda os 3 graus numa altura em que desata a chover e a nevar, é desesperante.
Mas a Natureza é madrasta e mãe... e lá veio alguém dizer que as fases de queda se alternavam com períodos de estagnação; o que era preciso era contabilizar o tempo de derrocada e o tempo de acalmia, como as séries de 7 ondas com que o mar nos brinda e que permitiram ao protagonista de Pappillon fugir da ilha em que estava encarcerado... E lá fomos nós de mochilas e malas e máquinas fotográficas, uns mais apreensivos que outros.
Já vivi tufões grau 10, que fizeram cair quadros das paredes em minha casa, já vi as marés vivas arrancarem pedras dos muros da Marginal; no dia anterior tínhamos ouvido avalanches de neve; mas o que se nos deparou era, de facto, impressionante e atemorizador: tudo calmo pela encosta abaixo... de repente começava como que um rio de pequeníssimos seixos a deslizar e quando dávamos por nós estávamos entre o incrédulo, o fascinado e o assustado a ver pedregulhos enormes a tombarem e a desfazerem-se ao bater na estrada, quais bombas a largarem estilhaços em todas as direcções, antes de seguirem o seu caminho pela encosta seguinte também a pique.
E no meio de tudo alguns "loucos" que se aventuravam entre as pedras que continuavam a cair e os que ao volante de camionetas resolviam carregar no acelarador e passar também, motivando novas derrocadas consequência da trepidação provocada.
Por fim lá decidimos, um a um, testar a sorte, sempre atentos não fosse algum calhau perdido apanhar-nos pelo caminho... e assim todos passámos, pé aqui pé acolá, a tentar não torcer os tornozelos e a não cair por cima de um monte de pedregulhos de tamanhos desiguais.
O alívio foi enorme ao juntarmo-nos todos do outro lado onde já estava uma carrinha à nossa espera. E foi, entre gargalhadas catárticas, o recordar o que, a quente, alguns tinham dito: "Eu não posso passar com o meu marido" (porque têm 3 filhos), ou "Tenho que passar com a minha mulher porque não consigo ficar a olhar para ela" (ela ficou de lágrimas nos olhos), ou "Não vim para esta viagem para pôr a minha vida em perigo", ou "Não sei que vos diga... devo ser inconsciente porque não consigo ter medo duma coisa destas..."... "É, és completa e totalmente insconsciente!".
Enfim foi um momento emocionante (mas não excessivamente dramático) que a juntar à viagem do dia seguinte, por alvas estradas cortadas devido ao nevão que caíu incessantemente durante horas, a sítios e paisagens deslumbrantes e gentes encantadoras tornaram este passeio por terras do Império do Meio inesquecível.
Mas o grande, grande "amor da minha vida" foi o Tibet...

publicado por fpg às 14:54

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