Para os que se consideram mentalmente sãos, as óbvias manifestações de demência de familiares ou amigos são preocupantes.
Ora apesar da minha absoluta e total ignorância científica sobre a matéria vou referir-me a casos práticos e analisá-los do ponto de vista dos doentes.
Lembro-me de, há uns anos atrás, nos rirmos bastante porque a mãe/avó de uns amigos, que ficou senil, "partiu" para um mundo de contos de fadas onde era constantemente convidada por príncipes para ir a festas e bailes. Normalmente quando os netos a visitavam no lar onde vivia encontravam-na sempre bem disposta e com coisas boas para lhes contar.
Não é preferível viver assim?
Se a avó Fanfana não tivesse feito esta fuga para a frente provavelmente, com o pelo na venta que tinha, teria sofrido imenso a viver no lar...
Ou quiçá, talvez o facto de ter ido para o lar a tenha feito partir para o mundo dos contos de fadas...
Na minha família estamos a lidar com uma situação de fuga mas para o passado.
A tia Nini perdeu a filha única há cerca de 20 anos; esta morreu com 40 anos, solteira, depois de ter vivido toda a vida com os pais. O tio Luis morreu há 3 anos.
Resultado: depois de 60 anos de casamento, de ter vivido a vida toda para o marido e para a única filha a minha tia vê-se sozinha, sem mais filhos, sem netos, em Coimbra, cidade que não quer deixar de maneira nenhuma.
Depois da morte da minha prima habituei-me a ver a minha tia chorar com bastante frequência. Foi ferida que jamais sarou.
Após a morte do meu tio pouco estive com ela, pois só voltei a Portugal duas vezes e a sua cabeça já começava a apresentar traços de confusão, mas nada de muito significativo (lapsos de memória e trocar os nomes das pessoas). A grande fuga começou há cerca de um ano e meio.
A tia Nini partiu para o passado, para o tempo em que os meus avós eram vivos, em que as tias, irmãs do avô, ainda vivam na Fopa - Penela, em que o meu pai ainda era solteiro!
Quando está nessa época a tia não chora. Preocupa-se com eles mas não chora. Só chora quando volta ao presente.
Por isso prefiro que ela esteja no seu mundo feliz do passado.
Mesmo que isso signifique que ela não volte a reconhecer-me.
Cansei-me de a ver chorar no fim do Séc. XX e no Séc. XXI.
Estes dois casos que referi são pouco problemáticos em termos de tratamento, apesar de no caso da minha tia já não ser possível viver sozinha, pois tal constituíria um sério risco para a sua segurança e saúde.
que reflectem o que tantos de nós pensamos e sentimos - que se faça Paz, que haja Paz, que se viva em Paz.
Mas enquanto o Mundo for dominado pelo Homem as "lutas de galos" jamais cessarão.
Há muita sede de sangue, eternas questões fálicas nunca solucionáveis.
Tinha um desejo: morrer de barriga cheia
Um dia, a seguir ao almoço, sentou-se numa cadeira e o seu desejo realizou-se!
Foi a sorte dela. Por todas as razões. Morreu como sonhou e não viveu o tempo suficiente para ver a desgraça abater-se sobre a sua família.
Lembro-me da Lena sempre a rir, uma cara sardenta emoldurada por um cabelo ruivo.
Lembro-me da festa de anos a que fomos, no restaurante do pai dela em frente ao rio.
De como achei a família toda tão simpática, tão bem disposta, o pai em particular, tão generoso.
Nunca mais esqueci a festa de anos da Lena.
Como nunca mais esqueci o dia em que chegou à escola, alterada, zangada com o pai porque andava a tratar mal a mãe e a irmã mais velha...
Sim, embebedava-se e, para além da mulher, obrigava a filha mais velha a ir com ele para a cama, sem a menor preocupação de o esconder do resto da família.
Na escola todos ficámos chocados com o que se estava a passar e fomos sofrendo quotidianamente o calvário da irmã da Lena que, se não se sujeitasse às taras do pai, corria o risco de ser baleada.
Até ao dia em que as boas notícias, se é que boas notícias podem acontecer no meio duma tristeza destas, chegaram:
O irmão, farto de assistir impassível ao comportamento descontrolado do pai, resolvera esfaqueá-lo; fora a única forma de o dominar.
Assim, pôs termo ao pesadelo da mãe e da irmã mais velha que eram violadas em simultâneo.
Estávamos perto do final do ano lectivo quando este caso se deu.
Nuna mais vi a Lena, nem soube nada da família dela.
Eu tinha 11. Ela 12.
A irmã mais velha tinha 15 anos.